PERDA E LUTO

“No início, as pessoas apoiaram-me muito e, esse apoio foi fundamental. Mas agora, já ninguém me quer ouvir falar sobre isto. Dizem para não pensar mais nestas coisas, mudam de assunto… Não mo dizem, mas eu sei que acham que eu já devia ter ultrapassado.”

O que é o luto?

O luto consiste, fundamentalmente, no processo de adaptação a uma perda. Falamos de luto, sobretudo, perante a morte de alguém. Contudo, um processo semelhante pode ocorrer também face a outros tipos de perdas (de uma relação, de um emprego…). Estas perdas podem ser traumáticas, a nível psicológico, da mesma forma que uma lesão é traumática ao nível físico. O luto, tal como a cura, pretende restabelecer o funcionamento anterior, necessitando de algum tempo para se desenvolver e cumprir esse objetivo. As reações envolvidas no processo de luto ocorrem a vários níveis:

  • emoções: tristeza, zanga, culpa, ansiedade, inquietude, solidão, desamparo, fadiga, apatia, saudade, choque, mas também, por vezes, alívio ou emancipação;
  • cognições: descrença, confusão, distração, pensamentos obsessivos, sonhos ou pesadelos, sensação de presença, alucinações;
  • comportamentos: choro, perturbação do sono e do apetite, isolamento social, diminuição ou excesso de atividade, evitar ou procurar objetos ou locais que evoquem recordações;
  • sensações: aperto no peito ou na garganta, falta de ar, fraqueza muscular, falta de energia, sensação de despersonalização (“nada parece real, incluindo eu próprio”)

Luto “normal” e luto “complicado”.

As reações envolvidas no processo de luto podem ser muito variadas, sem por isso deixarem de ser “normais”. Assim, a diferença entre um luto “normal” e um luto “complicado” relaciona-se não tanto com a presença ou ausência de uma reação específica, mas mais com a intensidade dessa reação, com o seu prolongamento no tempo, ou com formas prejudiciais de a pessoa lidar com ela. Um luto “complicado” pode traduzir-se em:

  • Reações de luto crónicas: As manifestações do luto prolongam-se excessivamente, e não chegam a uma resolução satisfatória;
  • Reações de luto exageradas: A pessoa reage à perda de uma forma avassaladora ao nível emocional, e prejudicial ao nível comportamental. Esta reação pode assumir a forma de um quadro depressivo, ansioso, de stress pós-traumático ou de abuso de álcool ou drogas;
  • Reações de luto atrasadas: Uma reação emocional excessiva é desencadeada algum tempo depois da perda original, por uma perda subsequente;
  • Reações de luto camufladas: A pessoa experiencia emoções e comportamentos relacionados com a perda, mas não as identifica como tal. Estas reações podem assumir a forma de sintomas físicos, de sintomas psiquiátricos ou de comportamentos prejudiciais.

O processo de luto.

O processo de luto pode ser pensado como envolvendo uma sequência de tarefas. Um luto completo resulta, assim, da resolução desta sequência de tarefas. O luto “complicado” poderá resultar da resolução de algumas destas tarefas, mas não de outras. Algumas tarefas importantes são:

  • Aceitar a realidade da perda, isto é, o facto de que a perda ocorreu. Os rituais tradicionais, como o velório e o funeral, podem ajudar a este nível. As dificuldades nesta tarefa incluem negar o facto da perda (através de distorção ou mesmo de delírio), negar o significado da perda (encarando-a como menos significativa do que é) ou negar a irreversibilidade da perda (mantendo a esperança de um reencontro);
  • Reconhecer e processar a dor da perda. As dificuldades nesta tarefa incluem a supressão ou evitamento de pensamentos e emoções dolorosos (evitando recordar a pessoa que faleceu, idealizando essa pessoa, utilizando álcool ou drogas…);
  • Adaptar-se a um contexto em que falta a pessoa que faleceu. Envolve adaptar-se à perda dos papéis anteriormente desempenhados por essa pessoa, adquirindo novas competências e assumindo esses papéis. Frequentemente, envolve também adaptar-se a um novo sentido de si próprio e da vida. A principal dificuldade nesta fase é a não adaptação, mantendo-se a pessoa num estado de desamparo;
  • Encontrar um local emocional para a pessoa que faleceu, de uma forma que lhe permita continuar. Uma dificuldade nesta fase ocorre quando a ligação a essa pessoa impede o surgimento de novas relações.

O luto na família.

Muitas perdas significativas ocorrem no contexto de uma família (a morte de um parceiro/a, de um dos pais, de um filho, de um irmão…). Cada um dos elementos da família faz o seu processo de luto, percorrendo a sequência de tarefas descrita da sua própria forma e ao seu próprio ritmo, que pode ou não ser semelhante à forma e ao ritmo de outros elementos da família. Mas, sobretudo, há que ter em conta que a perda de um elemento de uma família tem um impacto que vai além da soma dos impactos individuais em cada um dos que ficam. Esta perda tem impacto sobre a forma como eles se relacionam uns com os outros. Um aspeto importante é a forma como a família encara as emoções, e o grau em que facilita ou inibe a expressão das mesmas. Consoante o contexto, o reconhecimento e processamento da dor da perda poderá ser mais fácil ou mais difícil. Outro aspeto relaciona-se com o papel, ou os papéis, desempenhados pela pessoa que faleceu. A perda de uma pessoa muito central na família é suscetível de ter um impacto muito intenso no funcionamento da mesma. A forma como estes papéis são atribuídos, aceites e rejeitados pelos elementos que ficam é também muito importante neste processo.

Intervenção no luto.

Num primeiro momento, pretende-se construir em conjunto com a pessoa uma explicação dos problemas que lhes dê um sentido, e que permita estabelecer um plano para a intervenção. Esta intervenção pode servir para apoiar e facilitar um processo de luto “normal”, ou para ajudar a pessoa que atravessa um luto “complicado” a desbloquear esse processo.